As crises hídricas não são fenômenos exclusivamente atuais; elas ocorrem há séculos no Brasil e em diversas regiões do planeta. A diferença é que, desde a metade do século XX, elas começaram a ficar mais acentuadas.
A avaliação foi feita pelo conselheiro do WWF-Brasil e presidente do Instituto Internacional de Ecologia (IIE), José Galizia Tundisi, durante a 57ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e noticiada pela Agência FAPESP (da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Segundo Tundisi, o crescimento populacional nas áreas urbanas e a conversão de áreas de floresta para a plantação ou pecuária têm causado a degradação da qualidade da água no mundo e um aumento das enchentes e secas – extremos hidrológicos – que afetam populações especialmente da periferia das grandes metrópoles. “O aumento da população provoca aumento da demanda de água e produz enormes quantidades de resíduos sólidos e líquidos e a diminuição de florestas afeta a evapotranspiração, a transpiração da vegetação que mantém a água na atmosfera”, explicou o especialista.
Tundisi explicou que a escassez de água é caracterizada não apenas pela seca e a falta de água em regiões, como o sudeste do país, mas também por extremos hidrológicos, como as inundações que estão acontecendo na região Sul. “Em 2014, por exemplo, foi registrada a pior seca no Nordeste e a maior enchente em Foz do Iguaçu, no Paraná. E, nesta semana, o Rio Grande do Sul e Santa Catarina têm sido afetados por um volume de chuva excepcional, que tem causado enchentes e, consequentemente, a perda de propriedades e ameaçado a população”, apontou.
Evolução do problema em 150 anos
A pedido da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), Tundisi realizou um estudo em que analisou a evolução dos principais problemas que afetaram a qualidade da água nos últimos 150 anos.
No começo da segunda metade do século XIX havia uma enorme contaminação das águas de rios europeus pela falta de tratamento de esgoto, que começou a se agravar a partir do início do século XX com o aumento da população urbana. O problema passou a se agravar no século 20 com o aumento da produção industrial, que começou a produzir grandes quantidades de metais pesados, contou o pesquisador. A partir da década de 1940, com as explosões atômicas, houve um aumento dos resíduos radioativos em corpos aquáticos, e, em 1960, os lixões nas cidades começaram a contaminar ainda mais as águas superficiais subterrâneas.
Mais recentemente, a partir das últimas décadas, começou a ocorrer um processo de degradação das águas relacionado a poluentes persistentes orgânicos, como pesticidas, herbicidas e hormônios. E, no início do século XXI, emergiram as mudanças climáticas globais, resumiu Tundisi. “Todos esses processos que ocorreram em, aproximadamente, 150 anos nos países industrializados, em países em desenvolvimento, como os BRICs, levaram apenas 70 anos”, comparou.
“Houve uma industrialização rápida nos países em desenvolvimento. Isso causou um aumento da toxicidade da água, tanto superficiais como subterrâneas, além de ter efeitos econômicos e na saúde humana, os quais muitos ainda são desconhecidos”, afirmou.
Segundo o pesquisador, os medicamentos e cosméticos utilizados pela população mundial são lançados e dissolvidos pela água e não são retidos pelos sistemas de tratamento hidrológico. Recentemente descobriu-se que estações de esgoto estão acumulando bactérias resistentes aos antibióticos lançados na água, o que representa um problema de saúde pública, apontou o pesquisador. “Hoje, para analisar todo o conjunto de substâncias dissolvidas na água é preciso ter laboratórios com equipamento altamente sofisticados, que são muito caros e não são todos os países que conseguiriam adquiri-los”, afirmou.
O texto na íntegra pode ser acessado na Agência FAPESP (da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) por meio do link: